quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Computação na antiguidade e renascença

Um assunto que nunca vejo tratado é a computação na antiguidade. Esse é, seguindo a nossa tradição, um assunto espinhoso.
Para tornar a nossa argumentação um pouco mais compreensível, vamos recapitular três conceitos:
  1. Primeiro, Niklaus Wirth coloca que programa = algoritmo + estrutura de dados.
  2. Segundo, os algoritmos de busca e ordenação são uma classe especial e muito tratada de problemas computacionais, tanto que o assunto "estrutura de dados e seus algoritmos" é em muitos casos um curso à parte.
  3. O Terceiro e último conceito é o pensamento mágico. Ele é complexo e envolve muito dos algoritmos ocultos no cérebro humano que definem muito daquilo que usualmente é denominado humanidade, porém esmiuçar esses algoritmos não é o nosso objetivo no presente momento.

Por essa razão vamos apenas riscar a superfície desse assunto, expondo o suficiente para os objetivos desta postagem. Vamos escrever um pouco sobre figuras. Como destacou Ernest Hans Gombrich no seu famoso livro "História da Arte", inicialmente todas as figuras e representações eram "mágicas". Ainda hoje, a maioria das pessoas tem pensamento mágico em relação a figuras. Uma evidência disso pode ser obtida facilmente com um experimento em si mesmo: Fure com a ponta seca de um compasso textos de uma página de jornal; Observe o sentimento que este ato lhe causou. Isso feito, agora fure os olhos de fotos das páginas de um jornal e observe se o sentimento é o mesmo. Todo ser humano normal ficará incomodado ao furar os olhos das fotografias, apesar de saber que são apenas manchas de tinta na folha, da mesma forma que os textos o são.

 Isso expõe o fato: apesar de nossa aparente modernidade, ainda somos primitivos o bastante para sermos afetados pela "magia" de uma figura.

Com estes conceitos em foco vamos abordar alguns dos aspectos da computação na antiguidade.

Tanto na antiguidade assim como hoje em dia, a maior parte dos problemas computacionais são de armazenamento, recuperação, ordenação e busca de dados (The Art of Computer Programming: Volume3: Sorting and Searching). Apenas que no passado, o melhor computador disponível para processar dados era o próprio cérebro humano. Esse processamento recebia a denominação desde "técnica" ou "arte" até "magia".

 Aqui no "Ars Computatio" vamos deixar de lado as especulações místicas e religiosas e nos ater apenas ao aspecto computacional dessas "Artes" nos textos e episódios que abordaremos.

Através do conhecimento de "bons" algoritmos e processos mentais é possível utilizar procedimentos para se ter acesso às capacidades ocultas para a maioria das pessoas.

           Como Frances A. Yates escreveu no prefácio do livro "The Art of Memory":


"Apenas algumas pessoas sabem que a arte da memória, entre as muitas artes que os gregos inventaram, foi transmitida para Roma, a partir da qual entrou na tradição européia". Ela busca a memorização por meio de um artifício de registrar "lugares" (θέσεις - Théseis) e "imagens" εικόνες - eikónes) na memória... ... Antes da invenção da imprensa, a memória treinada era de vital importância, e essa manipulação da memória deve modificar a psique como um todo."

 A "Arte" em questão utilizam um arcabouço de técnicas e recursos para fazer isso, dando ao seu usuário "poderes", estes ao ver de muitas pessoas “mágicos”.
Rememoração completa dos fatos e textos, raciocínio relâmpago, aparente telepatia e premonição, como descrito no "Rhetoricaad Herennium" atribuído a Cícero: 

"Marcus A. Seneca podia repetir mais de duas mil palavras na ordem que haviam sido enunciadas, e se fossem versos, recitá-los de trás para frente, do último ao primeiro, sem esforço aparente."

Nas definições, Cícero nos dá mais pistas úteis:
"A prudência é o conhecimento das três classes de coisas, as que são boas, as que são más, e as que não são nem uma nem outra. Suas partes são a memória, a inteligência e a providência”
...
Memória é a faculdade pela qual a mente relembra; a inteligência é a faculdade pela qual a mente averiguá aquilo que é, e a providência é a faculdade pela qual se compreende ou antecipa algo que acontecerá antes que ocorra”.

Podemos assumir que para a maioria dos humanos essas capacidades não apenas são úteis, mas desejáveis, e ainda hoje possuem caráter "mágico".

Todas essas técnicas ou artifícios se baseiam no estabelecimento de uma estrutura de dados explícita, muitas vezes representada por um diagrama, uma sala ou um edifício.

"Constat igtur artificiosa memoria ex cocis et imaginibus" - A memória artificial é estruturada na mentalização (ligação imaginária, associação em locais da memória), escreve Cícero na obra citada.

Em termos mais atuais, uma vez estabelecida a estrutura de dados, o usuário popula a mesma com os atributos desejados e aprende alguns algoritmos básicos, e "compila" os referidos algoritmos e essa "base de dados" em "programas". Com essa "compilação", uma forma particular de transferência dos programas para o subconsciente, os mesmos podem ser usados de forma automática e transparente, como fazemos com os programas de direção automobilística. Por fim o usuário pasa a poder criar os seus próprios "programas" sobre a base de dados que passou a ter.

Na página 292 do livro “the art of memory” vemos uma referência interessante sobre isso:

Os esforços para conciliar os sistemas de memória classicos e o llullismo com suas figuras e letras continuaram a crescer no séc XVI.
Esse problema só pode ser comparado ao interesse de hoje (1962) pelos cérebros eletrônicos.
...
Seria de se esperar que um especialista em memória como Giordano Bruno inventasse (a tão almejada) máquina de memória universal. Tendo formação dominicana e sendo profundo conhecedor do llullismo, era o especialista que melhor estava preparado para resolver o problema.”

Há riqueza e diversidade nesses programas, e os grupos que os desenvolveram se mostravam bastantes ciumentos de sua divulgação [“ars reminiscendi”] . Esse foi o caso dos Dominicanos que acabaram por queimar vivo Giordano Bruno pelo uso e divulgação de seu "software" proprietário.

Oportunamente postaremos mais sobre esses curiosos e interessantes algoritmos cerebrais.