quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Definições extensionais e intensionais

Uma característica humana que nunca deixa de me chamar a atenção é o intenso uso da figura de linguagem hipérbole. Onde tinhamos uma mera calculadora que realizava as quatro operações, viam um "cérebro eletrônico". Um soldado valoroso vira "herói", um tecladista acima da média é um "mago", um bom jogador se torna um "deus".

O duro é que muita gente toma essas metáforas grosseiras por verdades, especialmente se aplicadas a conceitos pouco usuais.

Ontologias em computação foi assim, o que era para ser apenas um escopo (como uma coleção de definições afins) se tornou uma "ontologia".

Vou escrever sobre definições intensionais e extensionais. Uma outra maneira de ver essas mesmas definições é como modelos de dados que representam conjuntos de conceitos dentro de um domínio e os relacionamentos entre estes. Estes modelos de dados serão uma forma de representação de conhecimento sobre o mundo ou alguma parte deste. Isso para alguns é uma ontologia, mas eu não gosto desse uso do termo. Para mim é um exagero. Um texto com uma visão complementar (não chega a ser oposta, mas é diferente) pode ser encontrado em "What is an Ontology?" Esse texto apresenta também uma história do uso do termo na computação.

Estas considerações sobre ontologia são necessárias para aqueles que notarem uma certa "sobreposição" dos conceitos. Sim, a sobreposição existe, estou consciente dela e não a tratarei mais profundamente.

Segundo Arnaldo Cortina e Renata Marchezan no livro "Razões e sensibilidades a semiótica em foco" :
"A oposição entre intensão e extensão foi concebida pela lógica de Port-Royal, no livro "Lógica ou a arte de pensar" de Antonie Arnauld e Pierre Nicole de 1662. A intensão e extensão eram duas forma de se descrever uma ideia qualquer, a intensão por meio de um inventário dos atributos essenciais da ideia (sem os quais ela passará a ser outra coisa) e a extensão como um inventário dos elementos que satisfazem a idéia enquanto conceito."

Para mim, intensão e extensão, ambos são listas ou coleções. Um de conceitos "conhecidos" (intensão) e o outro de "elementos" (extensão).
Por exemplo, definindo extensionalmente o conceito cores_primárias = {vermelho, azul, verde}. (Quem trabalha com tintas vai chiar, pois essas cores só são primárias para a luz, com tintas o conjunto é outro).
Uma definição intensiva: matéria = [massa, volume].

No livro "How we think" esse assunto é tratado de forma bastante didática. Vale a pena dar uma lida se ainda tiverem dúvidas.

Na revista "Ciência da Informação vol.33 no.2 Brasília May/Aug. 2004"
Há o interessante artigo "Diferenças conceituais sobre termos e definições e implicações na organização da linguagem documentária" de Marilda Lopez Ginez de Lara que aborda as definições sob outra ótica, que gostaria de compartilhar com os leitores:

"A referência dos termos na terminologia é formulada mediante uma operação de definição. Uma definição é um enunciado que descreve um conceito permitindo diferenciá-lo de outros conceitos associados, podendo ser formulada de duas maneiras básicas: definição por compreensão (ou por intensão), ou ainda, definição intensional, que compreende a menção ao conceito genérico mais próximo (o conceito superordenado) já definido ou supostamente conhecido e às características distintivas que delimitam o conceito a ser definido; e definição por extensão ou extensional, que descreve o conceito pela enumeração exaustiva dos conceitos aos quais se aplica (conceitos subordinados), que correspondem a um critério de divisão (ISO 1087-1). Essa mesma concepção está presente na ISO 704, que caracteriza uma definição como uma unidade com intensão e extensão únicas (ISO 704).

Exemplo:
• definição intensional
Lâmpada incandescente: lâmpada elétrica cujo filamento é aquecido por uma corrente elétrica de tal modo que ela emite luz (ISO 1087-1:2000).

• definição extensional
Gases nobres: hélio, neônio, argônio, criptônio, xenônio e radônio (ISO 1087-1:2000)."

Recomendo a leitura desse artigo. Ele é curto e fecha um conceito.

Neste ponto eu tenho esperança de que os leitores já tenham percebido que a definição extensional é terminal, enquanto os elementos da intensional carecem eles próprios de definição, caso sejamos rigorosos. Percebam que nosso interlocutor pode nos entender errado, caso um dos conceitos utilizados na nossa intensão tenha para ele um entendimento diferente do nosso.

Uma definição rigorosa de algo, terá definições intensionais em cascata até chegar às definições extensionais. Por isso chamei as definições extensionais de terminais.

Armados dos conceitos de denotação, conotação, definições extensionais e intensionais podemos atacar o cotexto e o contexto, pois de outra forma eu apenas iria escrever muito para ser pouco entendido. Estes serão os assuntos da próxima postagem.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Denotação e conotação

A explicação rasa que costumam dar para denotação é a de "primeiro sentido" ou significado "verdadeiro" de uma palavra, sem usarmos figurações.
Não acho que isso funciona. A maior parte dos signficados "denotacionais" são em algum grau figurativos, analógicos ou metafóricos, isto é, "conotacionais".

Conforme comenta Quintiliano em "Instituições Oratórias", (Cultura, São Paulo, 1944, vol.2 apud Carlos Ceia)
"Se compararmos a linguagem antiga com a moderna, quase tudo o que dizemos se pode chamar figurado."

O que é então denotação? Essa é uma pergunta respondida de muitas maneiras. David G. Hays no prefácio de seu livro "Linguistic Problems of Denotation" escreve: "The division of the linguistic properties of knowledge--speaking and understanding speech--from the psychological problem of denotation--relating perception to knowledge--is crucial to the future of linguistics. The form proposed here is to call the part of knowledge comprising properties, entities, events, and their names 'dictionary' and all other knowledge 'encyclopedic', separating them conceptually, but linking them substantively".
Esta introção expressa claramente a dificuldade do entendimento da denotação.

Não há um consenso na denotação (sentido atribuído, entendimento, raiz semântica ou proto-significado, etc... ) da palavra denotação!

Mas o conceito "denotação" é deveras importante e útil, assim vou me apropriar de uma explicação e essa será a que usarei, contando com a compreensão dos leitores de que não há uma resposta "correta", por que este é um assunto ainda em aberto, como costumam ser os assuntos importantes.

Denotação para mim é uma atribuição de valor (como em programação), ponto. Não existem sinônimos, pois duas palavras nunca expressam a mesma coisa ou sentido. Quando uma palavra for importante para o entendimento, não devemos supor que o leitor tem a mesma compreensão que nós da mesma, devemos definir (Para lerem mais sobre esta e outras definições de denotação, vejam: Th. R. Hofmann: "The Law of Denotation", em "Realms of meaning: an introduction to semantics").

Tenho observado que muitos autores usam não-definições, ou variam durante o texto o sentido da palavra, seja por não terem o significado firme em sua mente, seja para poderem escapar pela tangente durante uma discussão. Definições vagas são indicadores de maus autores (de textos didáticos) na minha opinião.

Pensem em felicidade. No que difere felicidade da alegria ou da satisfação? Vocês já deve ter usado ou visto usarem estas palavras mais ou menos como sinônimos, seus sentidos estão esparsos e ainda assim misturados, mas sabemos que são de algum modo ou sob alguma acepção diferentes.

No jargão matemático, a denotação da Felicidade seria mais ou menos assim:
"Seja o humano constituido de três aspectos: físico, emocional e mental.
Sejam felicidade, alegria e satisfação sentimentos agradáveis (que não são emoções).
Seja a Satisfação produzida pela saciedade de uma necessidade física.
Seja a Felicidade produzida pela saciedade de uma necessidade mental.
Seja a Alegria produzida pela saciedade de uma necessidade emocional.
Assim felicidade, alegria e satisfação diferem em sua causa.
Felicidade(mental), Satisfação(física), Alegria(emocional)"

A denotação não precisa de explicação, justificativa ou por quê. É equivalente ao axioma da proposição.
Como no conto "três porquinhos por um engenheiro", o lobo é mau por definição!

Conotação é o contrário de denotação, conotação é um sentido "emprestado", como ocorre em em uma analogia.

Carlos Ceia, no dicionário de termos literários escreveu uma citação interessante da história da da conotação que expressa bem o que o criador do conceito queria com ele: "L. T. Hjelmslev (1953) introduziu o conceito de conotação na discussão linguística, para aludir à capacidade que qualquer signo linguístico tem de receber novos significados, que se averbam ao sentido original, tomando este como referência alojada nos dicionários, por exemplo. "

Assim, para mim, tudo que não for explicitamente denotado, será uma conotação!

Para alguns autores da psicologia cognitiva, a distinção entre denotação e conotação ocorre analiticamente (contrário do pretendido pelo criador do conceito, que o criou semanticamente). (Vide: "Cognitive psychology" de Robert J. Sternberg,Jeff Mio).

Como há muita polêmica, não há também aqui uma resposta "correta".

Para melhorar o uso da denotação, precisamos conhecer como definir clara e inequivocamente um termo, do contrário, estaremos apenas criando novas conotações para a palavra.

Neste ponto, precisamos de um pouco de ferramental, apenas ideias não mais bastam.

Por isso na próxima postagem pretendo escrever sobre definição extensiva e definição intensiva.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Uma introdução à notação

Vislumbro grandes oportunidades de contribuições e avanços em notação (obviamente sob a definição computacional do termo).

Mas mesmo para quem não pratica computação os conceitos que tratarei podem ser muito úteis!

Pelo que eu tenho conversado, a maioria das pessoas ou não sabem o que realmente é notação ou não dão muita importância para ela, mesmo entre os computólogos.

Para mim, notação é um tema fundamental. Mesmo o labor mental que fazemos sobre um problema é feito através de uma notação. Nossa própria língua pode ser vista como uma notação, visto que podemos expressar os problemas, idéias e abordagens verbalmente através dela.

O primeiro artigo que eu li corroborando esta minha opinião foi o "Notation as a Tool of Thought", de Kenneth E. Iverson, ganhador do prêmio ACM Turing de computação no ano de 1979.

Nele eu revi a célebre frase de Whitehead: "By relieving the brain of all unnecessary work, a good notation sets it free to concentrate on more advanced problems, and in effect increases the mental power of the race", que expressa de forma concisa o poder da notação.

Eu acredito que a influência da notação vai além, uma boa notação pode tornar possível a solução de problemas antes insolúveis, uma notação ruim tem o efeito oposto, ela abafa as capacidades e pode tornar impossível para muitas pessoas problemas que de outra forma teriam solução.

Um interessante estudo sobre como pequenas alterações de notação na língua modificam muito a capacidade das pessoas de entender e solucionar problemas foi feito por Charles E. Osgood, em Language, Meaning, and Culture. Nele podemos absorver um pouco de sua compreensão sobre o assunto.

Infelizmente para mim, seus objetivos eram outros, pois ele é um psico-linguista. O principal trabalho de Osgood foi aquilo que ele denominou de "semântica diferencial". Eu vejo a semântica diferencial mais como uma ferramenta para se medir o significado conotacional de palavras e expressões, porém uma descrição dada por seus detratores para para a semântica diferencial é de que ela seria uma atualização da disputa medieval entre os nominalistas e realistas (pretendo voltar a este assunto no próximo post).

Uma abordagem "humanística" para o problema de notação foi feita por Alfred Korzybski na sua "semântica geral" (Uma boa introdução à semântica geral é "Drive yourself sane: using the uncommon sense of general semantics" ISBN 0-9700664-6-5).

Alfred Korzybski Apresenta a semântica geral como uma tentativa de se explicar para pessoas ainda "adormecidas" como se evitar as "armadilhas de raciocíonio" e "valas" que a linguagem usual cria, procurando meios para "se pensar mais claramente". Seu livro "Science and Sanity" (1933, ISBN 0-937298-01-8) é precursor de muito o que tem sido feito na área.

É curioso por exemplo que o "pensamento positivo"


ou a "programação neuro-linguística" utilizam uma abordagem que me parece uma inversão da intenção de Korzybski, criando valas longas para conduzir o pensamento das pessoas para o poço desejado. Através da PNL se deforma (no sentido de aplicar uma modificação) os conceitos e definições para que aquele que esteja sujeito a essa deformação veja o mundo da forma que o autor da deformação deseja. Obviamente os termos que eu uso aqui diferem dos termos usados pelos praticantes de PNL, porém definitivamente este não é o momento de se discutir isso. Talvez em alguma postagem futura, eu venha a tratar do assunto PNL.


Eu e E. E. Nakamura concordamos que a hipótese de Sapir–Whorf é um ícone do tratamento do problema de notação dento do "humanismo".

Segundo esta hipótese, nomes diferentes dão entendimentos diferentes sobre os assuntos, especialmente entre linguas diferentes. Esta questão é até que intuitiva, mas provar a hipótese se tornou um pesadelo à parte. A maioria dos estudos teve falhas metodológicas graves, Os objetos escolhidos eram inapropriados, etc... Após quase um século os resultados ainda são inconclusivos. A hipótese de Sapir–Whorf se tornou outro campo espinhoso de discussão...

Em computação o problema é explicitamente de notação e seu tratamento é mais tranquilo, por que como Goodaire e Parmenter provocam os leitores com o título do primeiro capítulo de seu livro D. M. with Graph Theory (1998, ISBN 0-13-092000-2), "Yes! There are Proofs!".

Provocações à parte, antes de brincar mais um pouco com notação, vou tentar fechar um entendimento para alguns conceitos deveras confusos, porém necessários para abordarmos o assunto de forma inteligível para os leitores que não estão acostumados a lidar com processamento de linguagem natural: Denotação e conotação, definição extensiva e definição intensiva, cotexto e contexto.

Só que isso fica para as próximas postagens!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O que é computação?

Primeiramente, acho prudente explicar o que entendo por computação.

Como Dijkstra sabiamente comparou, o computador (enquanto máquina) está para a computação assim como o microscópio está para a biologia e o telescópio está para a astronomia (apud Braben ISBN-13: 978-0198522904).

Portanto, pode ser que o tanto que eu escreva sobre as máquinas computadores seja menos do que muitos leitores esperariam. Porém estarei sempre falando dos computadores enquanto entes abstratos.

Computação tem mais a ver com como são empregados os esforços mentais para resolver problemas, minimizar o efeito negativo da complexidade desses problemas no seu tratamento e principalmente evitar a complexidade artificial criada pela ignorância (desconhecimento) ou estupidez (no sentido de falta de inteligência).

Outra coisa que gostaria de colocar é a razão pela qual eu trato de forma computacional o pensamento humano.

Assim há dois aspectos que considero valiosos para a compreensão de como eu escrevo e sobre o que escrevo:

O primeiro aspecto, é o significado da palavra computador. Computador é aquele que computa, independentemente de sua natureza. Ele pode ser humano, animal ou eletrônico, isso é irrelevante. É dessa forma que Turing tratou o ente computador: "We may compare a man in the process of computing a real number to a machine", no seu artigo seminal "On computable numbers" onde nasce o famoso conceito da máquina de Turing.

Muito do que os antigos "magos", "paranormais" ou "mentalistas" faziam é aplicar conceitos da computação mental humana para explorar suas limitações e características "ocultas" (que não são empregadas ou percebidas normalmente). Keith Barry nos dá uma mostra divertida disso nesta palestra:





Ao se supor o cérebro humano como um computador, tanto suas fraquezas como seu potencial oculto são revelados.
Assim, o segundo aspecto é que eu gosto e uso os paradigmas da psicologia cognitiva.
A psicologia cognitiva é radicalmente diferente de outras abordagens da psicologia em duas linhas principais (Neulfeld e Stein, 1999, "As bases da psicologia cognitiva". Revista da Saúde – URCAMP – V.3 N.2 – jul/dez ):
  • Aceita o método científico positivista e rejeita a introspecção como método válido de investigação, contrariamente aos métodos fenomenológicos como a psicologia freudiana.
  • Contrariamente à psicologia comportamental, afirma a existência de estados mentais internos como o desejo e as motivações (conscientes ou inconscientes) e as crenças (sistema de suposições, consciente ou inconscientemente, individual ou coletivamente).
A abordagem cognitiva foi divulgada por Donald Broadbent no seu livro “Perception and Communication” em 1958 (Broadbent, 1958 ISBN-13: 978-0080090900). Desde então, o paradigma dominante na área foi o do processador humano de informação, modelo este defendido por Broadbent.

Abaixo temos a figura mais conhecida desse modelo:

Nesse quadro de pensamento, considera-se que os processos mentais são comparáveis aos softwares executados em um computador que, neste caso, é o cérebro. Esta teoria toma o computador como metáfora e utiliza-se da nomenclatura usada na computação para referenciar os processos mentais dos indivíduos humanos, retormando o conceito seminal do Turing.

Al Seckel nos apresenta em sua palestra algumas das clássicas armadilhas cognitivas do processador humano de informações:






Comparar um humano com uma máquina pode ser chocante para algumas pessoas, mas é bastante útil para outras. Os modelos biológicos usados pela medicina são todos baseados em analogias de máquinas, desde alavancas simples a sofisticadas bombas de sódio-potássio.

Segundo Newell (1987 ISBN:0-674-92099-6), descrever um sistema qualquer como um “sistema de conhecimento” é apenas uma das alternativas existentes. Essa é uma escolha pragmática, que depende da intenção de quem escolhe. No Ars Computatio, esta é a minha escolha.

Portanto não é ruim lembrar aos desavisados que o mapa não é a estrada, mas apenas uma representação da mesma.